“Dominar áreas de conhecimento diferentes e ter as (muitas) competências diversificadas para garantir o bem-estar físico, psicológico e emocional do paciente, ao mesmo tempo que executo um tratamento exigente, dando a impressão que está tudo bem e é fácil. Sinto-me exausta.”
Não há colega que não se reveja nesta afirmação, em algum ponto da sua carreira. Nos estudos sobre stress na Medicina Dentária, as causas e a sua distribuição, permanecem notavelmente consistentes ao longo do tempo. A incisiva afirmação acima referida, poderia ser dita por um/a colega na Holanda, nos Estados Unidos ou na Austrália, nos anos 80, 90 ou agora. Foi feita por uma colega portuguesa num inquérito que realizei, no ano passado, para avaliar o stress dos Médicos Dentistas em Portugal, e como lidam com o stress inerente à profissão.
Um dado curioso foi o da palavra paciente ser referida 242 vezes como causa de stress. Ter de lidar com o stress dos pacientes, o ser causador de dor e ansiedade ao paciente, a falta de cooperação de pacientes, a responsabilidade em relação a um trabalho bem feito que cumpra as expectativas do paciente, ou a falta de reconhecimento e/ou valorização do trabalho pelos pacientes, são só alguns exemplos de como aqueles a quem servimos são também a nossa maior fragilidade.
A Medicina Dentária centrada no paciente convida-nos a cuidar da pessoa e não só dos dentes, mas a realidade é que muitos Médicos Dentistas não se sentem preparados para lidar com as emoções que surgem durante o tratamento dentário. As emoções do paciente e as nossas.
Tudo isto tem custos para o profissional e as consequências podem ser físicas, mentais ou pessoais. Distúrbios musculares e esqueléticos, doenças cardiovasculares, ansiedade, exaustão, insatisfação no trabalho, adições, a diminuição de sensibilidade para pacientes ansiosos, burnout, e até mesmo o suicídio, estão bem descritos na literatura e nomeados por colegas com quem falo diariamente. Bem diferentes são as respostas quando pergunto o que fazem para lidar com esse stress. Quais as armas que possuem para fazer face ao que lhes rouba a alegria de trabalhar? Para a pergunta de quais as estratégias que utilizam para melhor lidar com o stress profissional, a resposta mais frequente no inquérito foi: nenhuma.
O conceito de uma prática clínica sem stress ou de um Médico Dentista sem stress não é realista, ou até desejável, porque vai existir sempre stress intrínseco à profissão. Mas os Médicos Dentistas precisam de saber como aliviar tanto o stress psicológico, como o fisiológico para que estes não se tornem incapacitantes. Em vez de ficarmos presos à reatividade em modo de “luta ou fuga”, podemos aprender a desligar o piloto automático e a trabalhar com uma presença natural.
Mindfulness, ou atenção plena, a consciência que surge ao dar atenção, de propósito, ao momento presente, sem julgamento, e as práticas que o cultivam, são essenciais para o profissional, e para prestação de cuidados centrados no paciente, em vários aspetos: 1) ajudam o profissional a aliviar tensões a que estão sujeitos e fornece equilíbrio ao profissional durante momentos de stress; 2) estão associados à diminuição de depressão e ansiedade nos profissionais 3) desenvolvem as qualidades de um profissional de saúde centrado no paciente; 4) orientam para as ações necessárias para atender às necessidades do paciente; 5) fornecem técnicas que os próprios pacientes podem usar para encontrar o equilíbrio em momentos de stress 6) desenvolvem autoconsciência, aceitação, discernimento, compaixão e autocuidado no profissional 7) são a base para o desenvolvimento de inteligência emocional, assertividade e resiliência, qualidades necessárias para estarmos preparados para lidar com as emoções que surgem durante o tratamento dentário.
Se integrarmos os princípios do mindfulness no nosso trabalho diário, vamos ser Médicos Dentistas mindful. Isto traduz-se de uma maneira prática em:
O que faz a distinção entre um Médico Dentista e um Médico Dentista excecional? Ambos têm capacidades técnicas; no entanto, quem investir no desenvolvimento de capacidades que lhe permitam maximizar os seus recursos pessoais é o vencedor. Qualidades como autoconsciência, inteligência emocional, assertividade, compaixão ou escuta ativa podem ser desenvolvidas e reforçadas com uma prática regular de mindfulness. Todas estas qualidades, são qualidades humanas e essenciais se queremos tratar pessoas e não só dentes, e se queremos viver a nossa profissão de uma maneira saudável. O mindfulness é uma ferramenta simples e eficaz que deve fazer parte da prática clínica diária. Até quando a vamos deixar fora do consultório dentário?